Como diminuir pena de tráfico?

No post de hoje, vamos explicar como diminuir pena de tráfico em até 2/3, substitui-la por penas alternativas (prestação de serviços à comunidade, por exemplo) e os requisitos exigidos pela Lei de Drogas para a configuração do chamado tráfico privilegiado.

A Lei n. 11.343/2006, no preceito secundário do seu art. 33, caput, prevê qual é a pena por tráfico de drogas, ou seja, reclusão, de 5 a 15 anos e pagamento de 500 a 1500 dias-multa.

Em comparação com a revogada Lei n. 6.368/1976, a quantidade de anos de prisão por tráfico sofreu aumento em seu limite mínimo de 3 para 5 anos, significando agravamento no tratamento da nova Lei de Drogas brasileira para os casos em que a posse de drogas tenha finalidade comercial.

O § 4°, do art. 33, da Lei n. 11.343/2006, no entanto, diminui a pena de tráfico de 1/6 a 2/3 desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

O chamado “tráfico privilegiado”, tecnicamente, não trata de verdadeira privilegiadora, uma vez que o referido parágrafo não estabelece novos limites mínimo e máximo de pena privativa de liberdade – como ocorre no caso do tipo legal de infanticídio (art. 123 do Código Penal) em relação ao de homicídio (art. 121 do CP), mas de minorante que incide na terceira fase do procedimento judicial de aplicação da pena, decotando da pena provisória fração que pode variar de 1/6 a 2/3 quando o acusado for primário, de bons antecedentes, não se dedicar às atividades criminosas e não integrar organização criminosa.

Inovação da atual Lei de Drogas, buscou o legislador dispensar tratamento penal mais adequado ao menor juízo de reprovação da ação praticada pelo agente, haja vista a elevação da pena mínima promovida pela Lei n. 11.343/2006 e a constitucional equiparação do tráfico de entorpecentes aos crimes hediondos, com todas as consequências daí advindas (maior tempo de cumprimento de pena para progredir de regime e obter livramento condicional; proibição de indulto; etc.), de modo a beneficiar aquele condenado por um episódio eventual, isolado, evitando, assim, o início de carreiras criminosas.

A criação da minorante tem suas raízes em questões de política criminal, surgindo como um favor legislativo ao pequeno traficante, ainda não envolvido em maior profundidade com o mundo criminoso, de forma a lhe propiciar uma oportunidade mais rápida de ressocialização (Lima, 2020, p. 1069).

Por essa razão, grande debate foi travado na doutrina e na jurisprudência acerca da hediondez da conduta quando incidente a referida causa de diminuição de pena, levando o Superior Tribunal de Justiça a sumular o entendimento firmado naquela Corte Superior no sentido de que “a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, §4º, da Lei n. 11.343/2006 não afasta a hediondez do crime de tráfico de drogas” (Súmula 512).

O Supremo Tribunal Federal, contudo, em 23 de junho de 2016, ao julgar o HC n. 118.533/MS, rel. Min. Cármen Lúcia, superando o entendimento até então predominante na Suprema Corte, afastou a natureza de crime equiparado a hediondo do tráfico privilegiado quando aplicável no caso o § 4°, do art. 33, da Lei de Drogas, consignando que:

No caso do tráfico privilegiado, a decisão do legislador fora no sentido de que o agente, nessa hipótese, deveria receber tratamento distinto daqueles sobre os quais recairia o alto juízo de censura e de punição pelo tráfico de drogas. As circunstâncias legais do privilégio demonstrariam o menor juízo de reprovação e, em consequência, de punição dessas pessoas. Não se poderia, portanto, chancelar-se a essas condutas a hediondez.

Vejamos a ementa do julgado:

HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL, PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. APLICAÇÃO DA LEI N. 8.072/90 AO TRÁFICO DE ENTORPECENTES PRIVILEGIADO: INVIABILIDADE. HEDIONDEZ NÃO CARACTERIZADA. ORDEM CONCEDIDA. 1. O tráfico de entorpecentes privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei n. 11.313/2006) não se harmoniza com a hediondez do tráfico de entorpecentes definido no caput e § 1º do art. 33 da Lei de Tóxicos. 2. O tratamento penal dirigido ao delito cometido sob o manto do privilégio apresenta contornos mais benignos, menos gravosos, notadamente porque são relevados o envolvimento ocasional do agente com o delito, a não reincidência, a ausência de maus antecedentes e a inexistência de vínculo com organização criminosa. 3. Há evidente constrangimento ilegal ao se estipular ao tráfico de entorpecentes privilegiado os rigores da Lei n. 8.072/90 (STF, HC n. 118.533/MS, rel. Min. Cármen Lúcia, Pleno, j. 23/06/2016).

Em respeito ao novo entendimento firmado pelo STF, o STJ, em julgamento de recurso especial sob o rito dos recursos repetitivos, cancelou a Súmula 512, firmando a tese segundo a qual o tráfico ilícito de drogas na sua forma privilegiada (art. 33, §4°, da Lei n. 11.343/2006) não é crime equiparado a hediondo [1].

Reflexo do que decidido pelo STF, a Lei de Execução Penal (n. 7.210/1984) sofreu recentes alterações pela Lei n. 13.964, de 24 de dezembro de 2019 (que ficou popularmente conhecida como “pacote anticrime”) de modo a expressamente prever, no novo § 5º, do seu art. 112, que “não se considera hediondo ou equiparado, para os fins deste artigo, o crime de tráfico de drogas previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006”.

A Lei n. 13.964/2019, ao alterar o art. 112 da LEP e revogar expressamente o § 2°, do art. 2°, da Lei dos Crimes Hediondos (n. 8.072/1990), modificou o requisito objetivo para a obtenção da progressão de regime, exigindo percentuais diferentes de cumprimento da pena privativa de liberdade, in verbis:

Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:

I – 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça;

II – 20% (vinte por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça;

III – 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido com violência à pessoa ou grave ameaça;

IV – 30% (trinta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido com violência à pessoa ou grave ameaça;

V – 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário;

VI – 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for: a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional; b) condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado; ou c) condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada;

VII – 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado;

VIII – 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional.

No que se refere especificamente ao tráfico de drogas, uma vez preenchidos os requisitos para a incidência da causa de diminuição de pena prevista no § 4°, do art. 33, da Lei n. 11.343/2006, o condenado fará jus à progressão de regime ao cumprir 16% da pena privativa de liberdade, em vez dos 40% exigidos para os condenados por crime hediondo ou equiparado, haja vista o afastamento jurisprudencial e, agora, legal da hediondez da conduta.

Também o requisito objetivo para a obtenção do livramento condicional é mais brando quando reconhecido o tráfico privilegiado, exigindo o legislador o cumprimento de mais de 1/3 da pena privativa de liberdade (art. 83, I, do CP), em vez dos mais de 2/3 para os condenados por crime hediondo ou equiparado (art. 44, parágrafo único, da Lei de Drogas).

Ainda corolário do afastamento da natureza de crime equiparado a hediondo promovido pelo STF e pela Lei n. 13.964/2019, o STJ já possuía jurisprudência pacífica no sentido da possibilidade de concessão de indulto – perdão da pena concedido pelo Presidente da República tradicionalmente por ocasião do Natal – aos condenados por tráfico privilegiado. Confiram: “é possível a concessão de indulto aos condenados por crime de tráfico de drogas privilegiado (§4° do art. 33 da Lei n. 11.343/2006), por estar desprovido de natureza hedionda” [2].

Por outro lado, a pena mínima para tráfico é de 5 anos de reclusão, de modo que estaria afastada, em um primeiro momento, a possibilidade de sua substituição por penas alternativas à privação da liberdade (como a prestação de serviços à comunidade, por exemplo).

Ocorre que, como vimos, a pena para tráfico de drogas pode ser diminuída de 1/6 a 2/3 quando se tratar de condenado por tráfico privilegiado. Nesses casos, aplicada a fração máxima de 2/3, a pena mínima para tráfico será diminuída abaixo dos 4 anos – requisito objetivo para sua substituição por penas alternativas (art. 44, I, do CP).

A Lei de Drogas, originariamente, porém, proibiu a substituição da pena privativa de liberdade por penas alternativas nos casos de tráfico privilegiado, nos seguintes termos:

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

(…)

§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.

Em 1º de setembro de 2010, no julgamento do HC n. 97.256/RS, rel. Min. Ayres Britto, o Plenário do STF, no entanto, declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade da proibição de substituição da pena privativa de liberdade por penas alternativas. Vale reproduzir a ementa do julgado referenciado:

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ART. 44 DA LEI 11.343/2006: IMPOSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA (INCISO XLVI DO ART. 5º DA CF/88). ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. O processo de individualização da pena é um caminhar no rumo da personalização da resposta punitiva do Estado, desenvolvendo-se em três momentos individuados e complementares: o legislativo, o judicial e o executivo. Logo, a lei comum não tem a força de subtrair do juiz sentenciante o poder-dever de impor ao delinqüente a sanção criminal que a ele, juiz, afigurar-se como expressão de um concreto balanceamento ou de uma empírica ponderação de circunstâncias objetivas com protagonizações subjetivas do fato-tipo. Implicando essa ponderação em concreto a opção jurídico-positiva pela prevalência do razoável sobre o racional; ditada pelo permanente esforço do julgador para conciliar segurança jurídica e justiça material. 2. No momento sentencial da dosimetria da pena, o juiz sentenciante se movimenta com ineliminável discricionariedade entre aplicar a pena de privação ou de restrição da liberdade do condenado e uma outra que já não tenha por objeto esse bem jurídico maior da liberdade física do sentenciado. Pelo que é vedado subtrair da instância julgadora a possibilidade de se movimentar com certa discricionariedade nos quadrantes da alternatividade sancionatória. 3. As penas restritivas de direitos são, em essência, uma alternativa aos efeitos certamente traumáticos, estigmatizantes e onerosos do cárcere. Não é à toa que todas elas são comumente chamadas de penas alternativas, pois essa é mesmo a sua natureza: constituir-se num substitutivo ao encarceramento e suas seqüelas. E o fato é que a pena privativa de liberdade corporal não é a única a cumprir a função retributivo-ressocializadora ou restritivo-preventiva da sanção penal. As demais penas também são vocacionadas para esse geminado papel da retribuição-prevenção-ressocialização, e ninguém melhor do que o juiz natural da causa para saber, no caso concreto, qual o tipo alternativo de reprimenda é suficiente para castigar e, ao mesmo tempo, recuperar socialmente o apenado, prevenindo comportamentos do gênero. 4. No plano dos tratados e convenções internacionais, aprovados e promulgados pelo Estado brasileiro, é conferido tratamento diferenciado ao tráfico ilícito de entorpecentes que se caracterize pelo seu menor potencial ofensivo. Tratamento diferenciado, esse, para possibilitar alternativas ao encarceramento. É o caso da Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas, incorporada ao direito interno pelo Decreto 154, de 26 de junho de 1991. Norma supralegal de hierarquia intermediária, portanto, que autoriza cada Estado soberano a adotar norma comum interna que viabilize a aplicação da pena substitutiva (a restritiva de direitos) no aludido crime de tráfico ilícito de entorpecentes. 5. Ordem parcialmente concedida tão-somente para remover o óbice da parte final do art. 44 da Lei 11.343/2006, assim como da expressão análoga “vedada a conversão em penas restritivas de direitos”, constante do § 4º do art. 33 do mesmo diploma legal. Declaração incidental de inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, da proibição de substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos; determinando-se ao Juízo da execução penal que faça a avaliação das condições objetivas e subjetivas da convolação em causa, na concreta situação do paciente.

Preenchidos, portanto, todos os requisitos e reconhecido o tráfico privilegiado, diminuindo a pena de tráfico abaixo dos 4 anos, nada impede a sua substituição por penas alternativas à privação da liberdade do condenado (limitação de fim de semana e prestação de serviços à comunidade, por exemplo).

É importante destacar, contudo, que para a configuração do tráfico privilegiado se faz necessário a presença cumulativa de todos os seus requisitos.

Questão tormentosa, nesse sentido, é definir se as mulas do tráfico fazem parte da estrutura, ou seja, integram a organização criminosa que as contratou para fazer o transporte da droga.

Mulas do tráfico

Quando comentamos sobre os requisitos do tráfico privilegiado, vimos que o acusado precisa ser primário, portador de bons antecedentes, não se dedicar às atividades criminosas e não integrar organização criminosa.

Afirmar, então, que as mulas do tráfico necessariamente integram a organização criminosa impediria o reconhecimento do tráfico privilegiado, pois os requisitos, como dissemos, são cumulativos.

O entendimento do STF, no entanto, é firme no sentido de que a singela alusão genérica à importância do acusado, como transportador, na estrutura de uma organização criminosa ou uma narrativa própria da atividade nominada de “mula” não preenche o figurino exigido pela ordem constitucional para afastar o reconhecimento do tráfico privilegiado. Imperiosa a indicação de qualquer evento concreto, dentro da cadeia factual, de que o agente efetivamente pertence a organização criminosa ou efetivamente se dedica a atividades criminosas [3].

A simples atuação como mula do tráfico, portanto, não induz, automaticamente, à conclusão de que a pessoa seja integrante de organização criminosa, sendo imprescindível, para tanto, prova inequívoca do seu envolvimento, estável e permanente, com o grupo criminoso.

A exclusão da causa de diminuição prevista no § 4º, do art. 33, da Lei n. 11.343/2006, somente se justifica, nesse sentido, quando indicados expressamente os fatos concretos que comprovem que a mula do tráfico integre a organização criminosa (Lima, 2020, p. 1073).

Ausente, então, prova inequívoca do envolvimento estável e permanente da mula do tráfico com a organização criminosa que a contratou para fazer o transporte da droga, nada impede a configuração do tráfico privilegiado, desde que, insistimos, preenchidos os seus outros requisitos.

como diminuir pena de tráfico

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[1] Pet n. 11.796/DF, Rel. Min. Maria Theresa de Assis Moura, Terceira Seção, j. 23/11/2016.

[2] Jurisprudência em Teses. Edição n. 139: Do Indulto e da Comutação de Pena.

[3] RHC n. 176.741 AgR/MS, rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, j. 16/6/2020.

Referências Bibliográficas

LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. 8ª. Edição. Bahia: Juspodivm, 2020.

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