É crime cultivar maconha para consumo pessoal?

Cultivar maconha para consumo pessoal, sem autorização, é crime previsto no art. 28, § 1°, da Lei de Drogas, desde que as plantas sejam destinadas à preparação de pequena quantidade de substância capaz de causar dependência física ou psíquica.

Na contramão de países que reconheceram o fracasso da violenta e genocida guerra às drogas e que adotaram modelo de redução de danos para lidar com questão que mais tem a ver com saúde pública do que com polícia, o Brasil insiste na criminalização da produção, do comércio e do consumo de (determinadas) substâncias (arbitrariamente) consideradas proibidas no território nacional.

Nosso país é signatário da política criminal de war on drugs encabeçada pelos Estados Unidos da América nos anos 1970, durante o governo de Richard Nixon e prevista em convenções da Organização das Nações Unidas – ONU que servem de paradigma para a elaboração de diplomas normativos internos – a exemplo da Lei n. 11.343/2006 – quais sejam, a Convenção Única sobre Entorpecentes, de 1961; o Convênio sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971; e a Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, de 1988.

Por essa razão, a Lei de Drogas brasileira proibiu o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização; bem como o que estabelece a Convenção de Viena, das Nações Unidas, sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971, a respeito de plantas de uso estritamente ritualístico-religioso (art. 2°).

Tornou típicas, por conseguinte, as condutas relativas a semear, cultivar ou colher, para consumo pessoal, plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica; e o comportamento de quem semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas (art. 28, § 1° e art. 33, § 1°, II, respectivamente).

Juridicamente, no entanto, o proibicionismo é inconstitucional porque criminaliza determinadas drogas tornadas ilícitas por opção político-criminal, enquanto outras, como o álcool e o tabaco, por exemplo, comprovadamente mais danosas à saúde, têm seu uso e comércio devidamente regulamentados, ferindo a isonomia (art. 5º, caput, da CF).

Por outro lado, serve de sinistro dispositivo de controle da massa excedente e à margem do mercado de trabalho formal e da sociedade de consumo; uma política criminal bélica direcionada não as substâncias cujos males à saúde pública enuncia proteger, sim, a eliminação do “inimigo interno”, isto é, uma construção abstrata para legitimar e naturalizar o extermínio cotidiano da juventude preta e pobre pertencente aos estratos sociais mais vulneráveis.

Apesar do retumbante fracasso do proibicionismo, cultivar maconha para consumo próprio, sem autorização, é crime previsto no art. 28, § 1°, da Lei n. 11.343/2006, quando as plantas forem destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.

Observem o que diz o dispositivo em análise:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I – advertência sobre os efeitos das drogas;

II – prestação de serviços à comunidade;

III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

§ 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.

Dissemos que a Lei de Drogas, por um lado, proibiu o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, mas, por outro, ressalvou a hipótese de autorização legal ou regulamentar exclusivamente para fins medicinais ou científicos, prevendo que pode a União autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais referidos, exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização (art. 2º, parágrafo único).

O Decreto n. 5.912/2006 – que regulamentou a Lei n. 11.343/2006 – em seu art. 14, nesse sentido, estabelece que para o cumprimento do disposto nesse Decreto, são competências dos órgãos e entidades que compõem o SISNAD (Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas): I – do Ministério da Saúde: c) autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização.

Ocorre que, apesar da disciplina legal expressa sobre o assunto, não se tem notícia – pelo menos até o presente momento – de nem uma autorização do Ministério da Saúde permitindo o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, ainda que exclusivamente para fins medicinais ou científicos, não obstante o reconhecimento da eficácia terapêutica da cannabis pela ANVISA (RDC n. 130/2016).

Em razão dessa conjuntura de inconstitucional omissão estatal à luz do direito fundamental à saúde (art. 196 da CF), inúmeros pedidos de Habeas Corpus foram requeridos (e concedidos) pelo Poder Judiciário nos últimos anos visando a expedição de salvo-conduto para a importação de sementes e o cultivo de maconha por pacientes que não podem arcar com os elevados custos necessários para a importação do medicamento já devidamente registrado no órgão sanitário competente (RDC n. 130/2016 da ANVISA) para o tratamento de várias patologias que acometem o ser humano.

Daí que o Superior Tribunal de Justiça, em 22 de novembro de 2022, ao julgar o HC n. 779.289/DF, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, decidiu que a ação de cultivar maconha para consumo pessoal, quando comprovada a necessidade médica do tratamento, é materialmente atípica, pois ausente lesão ao bem jurídico saúde pública. Eis a ementa do julgado:

PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS PREVENTIVO. 1. UTILIZAÇÃO DO MANDAMUS COMO SUBSTITUTO RECURSAL. NÃO CABIMENTO. AFERIÇÃO DE EVENTUAL FLAGRANTE ILEGALIDADE. 2. PEDIDO DE EXPEDIÇÃO DE SALVO-CONDUTO. PLANTIO DE MACONHA PARA FINS MEDICINAIS. NECESSIDADE DE EXAME NA SEARA ADMINISTRATIVA. POSSIBILIDADE DE OBTENÇÃO DO MEDICAMENTO NA SEARA CÍVEL. AUTO-CONTENÇÃO JUDICIAL NA SEARA PENAL. 3. SUPERAÇÃO DE ENTENDIMENTO. AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO ADMINISTRATIVA. CONTROVÉRSIA A RESPEITO DO ÓRGÃO COMPETENTE. ESFERA CÍVEL. SOLUÇÃO MAIS ONEROSA E BUROCRÁTICA. NECESSIDADE DE SE PRIVILEGIAR O ACESSO À SAÚDE. 4. DIREITO CONSTITUCIONAL À SAÚDE (ART. 196 DA CF). REPRESSÃO AO TRÁFICO (ART. 5º, XLIII, DA CF). NECESSIDADE DE COMPATIBILIZAÇÃO. LEI 11.343/2006 QUE PROÍBE APENAS O USO INDEVIDO E NÃO AUTORIZADO. ART. 2º, P. ÚNICO, DA LEI DE DROGAS. POSSIBILIDADE DE A UNIÃO AUTORIZAR O PLANTIO. TIPOS PENAIS QUE TRAZEM ELEMENTOS NORMATIVOS. 5. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PREVALÊNCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. DIREITO À SAÚDE. BENEFÍCIOS DA TERAPIA CANÁBICA. USO MEDICINAL AUTORIZADO PELA ANVISA. 6. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO BEM JURÍDICO TUTELADO. SAÚDE PÚBLICA NÃO PREJUDICADA PELO USO MEDICINAL DA MACONHA. AUSÊNCIA DE TIPICIDADE MATERIAL E CONGLOBANTE. IMPOSSIBILIDADE DE SE CRIMINALIZAR QUEM BUSCA ACESSO AO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE. 7. IMPORTAÇÃO DE SEMENTES. AUSÊNCIA DO PRINCÍPIO ATIVO. ATIPICIDADE NA LEI DE DROGAS. POSSIBILIDADE DE TIPIFICAR O CRIME DE CONTRABANDO. AUSÊNCIA DE TIPICIDADE MATERIAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. SALVO-CONDUTO QUE DEVE ABARCAR TAMBÉM REFERIDA CONDUTA. 8. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. PARECER MINISTERIAL PELA CONCESSÃO DO WRIT. PRECEDENTES. 1. Diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, o Superior Tribunal de Justiça passou a acompanhar a orientação do Supremo Tribunal Federal, no sentido de ser inadmissível o emprego do writ como sucedâneo de recurso ou revisão criminal, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. 2. No julgamento do Recurso em Habeas Corpus n. 123.402/RS, concluí que a autorização para plantio de maconha com fins medicinais depende de critérios técnicos cujo estudo refoge à competência do juízo criminal, que não pode se imiscuir em temas cuja análise incumbe aos órgãos de vigilância sanitária. – De igual sorte, considerando que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária autoriza a importação de fármacos à base de cannabis sativa, considerei que o direito à saúde estaria preservado, principalmente em razão da existência de precedentes desta Corte Superior, favoráveis ao custeio de medicamentos à base de canabidiol pelo plano de saúde (REsp n. 1.923.107/SP), bem como do Supremo Tribunal Federal (RE 1.165.959/SP), que, em repercussão geral, fixou a tese de que “cabe ao Estado fornecer, em termos excepcionais, medicamento que, embora não possua registro na ANVISA, tem a sua importação autorizada”. – Dessa forma, vinha determinando que o pedido fosse analisado administrativamente, com possibilidade de, em caso de demora ou de negativa, apresentar o tema ao Poder Judiciário, porém à jurisdição cível competente, privilegiando a auto-contenção judicial na seara penal. 3. Contudo, ao me deparar novamente com a matéria na presente oportunidade, passados quase dois anos do julgamento do recurso acima indicado, verifico que o cenário não se alterou administrativamente. De fato, a ausência de regulamentação administrativa persiste e não tem previsão para solução breve, uma vez que a Anvisa considera que a competência para regular o cultivo de plantas sujeitas a controle especial seria do Ministério da Saúde e este considera que a competência seria da Anvisa. – Ademais, apesar de a matéria também poder ser resolvida na seara cível, conforme anteriormente mencionado, observo que a solução se revela mais onerosa e burocrática, com riscos, inclusive, à continuidade do tratamento. Dessa forma, é inevitável evoluir na análise do tema na seara penal, com o objetivo de superar eventuais óbices indicados por mim, anteriormente, privilegiando-se, dessa forma, o acesso à saúde, por todos os meios possíveis, ainda que pela concessão de salvo-conduto. 4. A matéria trazida no presente mandamus diz respeito ao direito fundamental à saúde, constante do art. 196 da Carta Magna, que, na hipótese, toca o direito penal, uma vez que o art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, determina a repressão ao tráfico e ao consumo de substâncias entorpecentes e psicotrópicas, determinando que essas condutas sejam tipificadas como crime inafiançável e insuscetível de graça e de anistia. – Diante da determinação constitucional, foi editada mais recentemente a Lei 11.343/2006. Pela simples leitura da epígrafe da referida lei, constata-se que, a contrario sensu, ela não proíbe o uso devido e a produção autorizada. Dessa forma, consta do art. 2º, parágrafo único, que “pode a União autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo, exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização, respeitadas as ressalvas supramencionadas”. – Nesse contexto, os dispositivos de Lei de Drogas que tipificam os crimes, trazem um elemento normativo do tipo redigido nos seguintes termos: “sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”. Portanto, havendo autorização ou determinação legal ou regulamentar, não há se falar em crime, porquanto não estaria preenchido o elemento normativo do tipo. No entanto, conforme destacado, até o presente momento, não há qualquer regulamentação da matéria, o que tem ensejado inúmeros pedidos perante Poder Judiciário. 5. Como é de conhecimento, um dos pilares da dignidade da pessoa humana é a prevalência dos direitos fundamentais, dentre os quais se inclui o direito à saúde, garantido, de acordo com a Constituição Federal, mediante ações que visam à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. – Contudo, diante da omissão estatal em regulamentar o plantio para uso medicinal da maconha, não é coerente que o mesmo Estado, que preza pela saúde da população e já reconhece os benefícios medicinais da cannabis sativa, condicione o uso da terapia canábica àqueles que possuem dinheiro para aquisição do medicamento, em regra importado, ou à burocracia de se buscar judicialmente seu custeio pela União. – Desde 2015 a Agência Nacional de Vigilância Sanitária vem autorizando o uso medicinal de produtos à base de Cannabis sativa, havendo, atualmente, autorização sanitária para o uso de 18 fármacos. De fato, a ANVISA classificou a maconha como planta medicinal (RDC 130/2016) e incluiu medicamentos à base de canabidiol e THC que contenham até 30mg/ml de cada uma dessas substâncias na lista A3 da Portaria n. 344/1998, de modo que a prescrição passou a ser autorizada por meio de Notificação de Receita A e de Termo de Consentimento Informado do Paciente. 6. Trazendo o exame da matéria mais especificamente para o direito penal, tem-se que o bem jurídico tutelado pela Lei de Drogas é a saúde pública, a qual não é prejudicada pelo uso medicinal da cannabis sativa. Dessa forma, ainda que eventualmente presente a tipicidade formal, não se revelaria presente a tipicidade material ou mesmo a tipicidade conglobante, haja vista ser do interesse do Estado, conforme anteriormente destacado, o cuidado com a saúde da população. – Dessa forma, apesar da ausência de regulamentação pela via administrativa, o que tornaria a conduta atípica formalmente – por ausência de elemento normativo do tipo –, tem-se que a conduta de plantar para fins medicinais não preenche a tipicidade material, motivo pelo qual se faz mister a expedição de salvo-conduto, desde que comprovada a necessidade médica do tratamento, evitando-se, assim, criminalizar pessoas que estão em busca do seu direito fundamental à saúde. 7. Quanto à importação das sementes para o plantio, tem-se que tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça sedimentaram o entendimento de que a conduta não tipifica os crimes da Lei de Drogas, porque tais sementes não contêm o princípio ativo inerente à cannabis sativa. Ficou assentado, outrossim, que a conduta não se ajustaria igualmente ao tipo penal de contrabando, em razão do princípio da insignificância. – Entretanto, considerado o potencial para tipificar o crime de contrabando, importante deixar consignado que, cuidando-se de importação de sementes para plantio com objetivo de uso medicinal, o salvo-conduto deve abarcar referida conduta, para que não haja restrição, por via transversa do direito à saúde. – Aliás, essa particular forma de parametrar a interpretação das normas jurídicas (internas ou internacionais) é a que mais se aproxima da Constituição Federal, que faz da cidadania e da dignidade da pessoa humana dois de seus fundamentos, bem como tem por objetivos fundamentais erradicar a marginalização e construir uma sociedade livre, justa e solidária (incisos I, II e III do art.3º). Tudo na perspectiva da construção do tipo ideal de sociedade que o preâmbulo da respectiva Carta Magna caracteriza como “fraterna” (HC n. 94163, Relator Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma do STF, julgado em 2/12/2008, DJe-200 DIVULG 22/10/2009 PUBLIC 23/10/2009 EMENT VOL-02379-04 PP-00851). – Doutrina: BRITTO, Carlos Ayres. O Humanismo como categoria constitucional. Belo Horizonte: Forum, 2007; MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. A Fraternidade como Categoria Jurídica: fundamentos e alcance (expressão do constitucionalismo fraternal). Curitiba: Appris, 2017; MACHADO, Clara. O Princípio Jurídico da Fraternidade – um instrumento para proteção de direitos fundamentais transindividuais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017; VERONESE, Josiane Rose Petry; OLIVEIRA, Olga Maria Boschi Aguiar de; Direito, Justiça e Fraternidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. 8. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, para expedir salvo-conduto em benefício do paciente, para que as autoridades responsáveis pelo combate ao tráfico de drogas, inclusive da forma transnacional, abstenham-se de promover qualquer medida de restrição de liberdade, bem como de apreensão e/ou destruição dos materiais destinados ao tratamento da saúde do paciente, dentro dos limites da prescrição médica, incluindo a possibilidade de transporte das plantas, partes ou preparados dela, em embalagens lacradas, ao Laboratório de Toxicologia da Universidade de Brasília, ou a qualquer outra instituição dedicada à pesquisa, para análise do material. Parecer ministerial pela concessão da ordem. Precedentes.

Quantas plantas posso ter?

A Lei de Drogas brasileira não define a quantidade de plantas para que o cultivo seja considerado para consumo próprio.

No Uruguai, ao contrário, não é crime cultivar maconha para consumo pessoal, desde que se respeite a quantidade de plantas (no máximo, 6) e a produção anual (no máximo, 480 gramas).

O legislador em nosso país, em vez disso, adotou o sistema do reconhecimento judicial ou policial, cabendo ao juiz ou à autoridade policial analisar cada caso concreto e decidir se a droga apreendida era para destinação pessoal ou para tráfico (Gomes, 2013, p. 147).

A autoridade judicial ou policial deverá, assim, se debruçar sobre os critérios estabelecidos no art. 28, § 2º, da Lei n. 11.343/2006, para decidir se se trata de cultivo destinado ao consumo próprio ou ao tráfico de drogas.

Listamos, a seguir, cada um desses vetores:

  • Natureza e quantidade da substância apreendida;
  • Local e condições em que se desenvolveu a ação;
  • Circunstâncias sociais e pessoais;
  • Conduta e antecedentes do agente.

Em outras palavras, incumbe ao juiz analisar as circunstâncias fáticas do caso concreto e decidir se se trata de porte de drogas para consumo pessoal ou tráfico (Lima, 2020, p. 1030).

RE n. 635.659/SP

Está pendente de conclusão no Supremo Tribunal Federal, por outro lado, o julgamento, sob a sistemática da repercussão geral (Tema 506), do RE n. 635.659/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, em que se discute, à luz do art. 5º, X, da Constituição Federal, a compatibilidade, ou não, do art. 28 com os princípios constitucionais da intimidade e da vida privada.

O Min. Roberto Barroso, em seu voto, à falta de um critério específico para delimitar o que seja pequena quantidade para consumo pessoal, propõe a utilização do parâmetro adotado no Uruguai, que é de 6 plantas fêmeas.

Não há previsão, porém, de data para o encerramento do julgamento do RE n. 635.659/SP, que aguarda ser incluído em pauta pela Presidente do STF, Min. Rosa Weber, após pedido de vista do falecido Min. Teori Zavascki (cadeira, atualmente, ocupada pelo Min. Alexandre de Morais)…

Desapropriação

Por outro lado, sabemos da angústia dos growers em razão da (im)possibilidade de perderem seus imóveis para o Estado ao serem surpreendidos cultivando, sem autorização, pequena quantidade de cannabis para consumo próprio em casa, por se tratar de planta (ainda) proscrita no Brasil.

A preocupação é legítima tendo em vista a previsão contida no art. 243 da Constituição Federal no sentido de que:

As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º.

Trata-se, de acordo com o Supremo Tribunal Federal, de espécie de confisco constitucional de caráter sancionatório, ou seja, uma penalidade imposta ao proprietário que praticou a atividade ilícita de cultivar plantas psicotrópicas, sem autorização prévia do órgão sanitário do Ministério da Saúde (RE n. 635.336/PE, rel. Min. Gilmar Mendes, Pleno, j. 14/12/2016, sob a sistemática da repercussão geral [Tema 339]).

O tema relativo ao confisco de terras e dos bens em que se localizem culturas ilegais de plantas psicotrópicas está disciplinado na Lei n. 8.257, de 1991. A lei define os conceitos de cultura e de plantas psicotrópicas, bem como fixa a possibilidade de excepcional autorização, dada por órgão do Ministério da Saúde, para a cultura de plantas psicotrópicas, exclusivamente para atender a finalidades terapêuticas e científicas. Estabelece procedimento judicial próprio, de competência cível, no curso do qual o expropriado terá direito à defesa (Mendes, 2015, p. 355).

Em seu art. 1°, caput, determina que as propriedades onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos e para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos.

É preciso, como se vê, que o imóvel a ser confiscado pelo Estado atenda ao fim previsto pela Constituição Federal e regulamentado pela Lei n. 8.257/1991, qual seja, assentamento de colonos e cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, de modo que, em se tratando de pequena propriedade, não estaria demonstrado que o bem serviria para tal finalidade, sendo, por isso, ilegal sua eventual expropriação.

Ademais, estamos diante da prática de um crime de menor potencial ofensivo e que não prevê a aplicação de pena privativa de liberdade, mas, tão somente, de medidas alternativas (advertência sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços à comunidade e/ou medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo).

Daí a conclusão no sentido de que nesses casos a sanção de confisco com a expropriação do imóvel em que se localizem culturas ilegais de plantas psicotrópicas pelo Estado seria desproporcional e, portanto, ilegal.

A tese, inclusive, já foi acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça, como se pode conferir no seguinte julgado:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO CONFISCATÓRIA. LEI N. 8.257/1997. ASSENTAMENTO DE COLONOS. INVIABILIDADE. QUANTIDADE DE PLANTAS APREENDIDAS. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. 1. O Plenário do STJ decidiu que “aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça” (Enunciado Administrativo n. 2). 2. Hipótese em que o Tribunal de origem julgou improcedente o pedido expropriatório, ao fundamento de que o imóvel não atenderia à destinação constitucional prevista (assentamento de colonos), dada a inexpressiva extensão do terreno, entendendo, ainda, que a sanção seria desproporcional e desarrazoada em virtude da quantidade de psicotrópicos apreendida no local (cinco pés de maconha e oito mudas). 3. A modificação do julgado, nos moldes pretendidos, demandaria o reexame dos requisitos dos arts. 243 da Constituição Federal e 1º da Lei 8.257/1997, providência incompatível com a via estreita do recurso especial, a teor da Súmula 7 do STJ. 4. Agravo interno desprovido (AgInt no REsp n. 1.448.015/PB, rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, j. 7/2/2019).

Referências Bibliográficas

AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de; HYPOLITO, Laura Girardi. Impacto da Lei 11.343/06 no Encarceramento e Possíveis Alternativas. In: CARVALHO, Érika Mendes de; ÁVILA, Gustavo Noronha de. 10 Anos da Lei de Drogas: aspectos criminológicos, dogmáticos e político-criminais. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016.

GOMES, Luiz Flávio. Lei de Drogas Comentada. 5ª. Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. 8ª. Edição. Bahia: Juspodivm, 2020.

MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 6ª. Edição. São Paulo: Saraiva, 2015.

4 comentários em “É crime cultivar maconha para consumo pessoal?”

  1. Muito obrigada pela resposta. Tenho uma observação sobre o Cultivo ser destinado para venda tráfico, vi alguns advogados comentando no YouTube que no imóvel onde estava foi apreendidos as plantas teria que ter balança de precisão, prensa hidráulica caderno com anotações e tbm mensagens em apps do acusado oferecendo para outras pessoas.
    Porém no caso, que eu comentei a polícia não apreendeu nada disso.
    Então no caso que eu comentei a tudo começou quando a pessoa importou 10 sementes de maconha (antes mesmo do STF decidir que é fato atípico importar sementes em pequenas quantidades). Aí as sementes foram retidas pelos Correios e entregues a PF aí eles abriram um inquérito e meses depois foi expedido um mandado de busca e apreensão no imóvel, aí que foram achados os pés de cannabis no imóvel e a pessoa presa.
    Pelo o que o advogado do caso falou para mim a Polícia ligou os fatos “se a pessoa importou sementes provavelmente tem plantas na casa”.
    Eu não sou advogada, mas sempre digo para as pessoas não importarem sementes ou cultivar sem o Hábeas corpus.

    1. Thiago Knopp

      Por nada, Daiane! A existência de “balança de precisão, prensa hidráulica, caderno com anotações e mensagens em aplicativos do acusado oferecendo para outras pessoas” são condições em que se desenvolveu o fato que podem, sim, indicar a prática do crime equiparado ao tráfico de drogas.

  2. Olá doutor, estava lendo a sua publicação sobre porte de maconha para consumo pessoal e achei bem simples de entender. Infelizmente Cultivar maconha no Brasil mesmo que seja para consumo pessoal ainda é entendido pela polícia/justiça como tráfico, conheço um caso pessoalmente de uma pessoa que é trabalhadora, tem renda legal ela é paciente cultivou maconha em casa e foi presa e autuada no art33, ela está na cadeia há 15 meses já foi julgada pela primeira e segunda instância de justiça um absurdo isso agora só resta a última instância STJ decidi. E no YouTube em várias redes sociais/sites tem gente do movimento dizendo que “cultivar maconha para consumo próprio é desobediência cívil não é crime privativo de liberdade, e que não precisa de HC para Cultivar para fins medicinais.
    Veja isso que ridículo
    https://kunk.club/cultivo-pessoal-desobediencia-civil/#:~:text=Considerando%20os%20baixos%20riscos%20jur%C3%ADdicos,pro%C3%ADbem%20a%20planta%20no%20Brasil.
    Como tem gente que cai nessa ?
    Abraços.

    1. Thiago Knopp

      Olá, Daiane! Obrigado por comentar! O cultivo de maconha para consumo pessoal, em regra, é crime previsto no art. 28 da Lei de Drogas que, de fato, não prevê pena de prisão, mas medidas alternativas (advertência, prestação de serviços comunitários, etc.). No entanto, a conduta de “cultivar” também pode, dependendo das circunstâncias, configurar tráfico de drogas. Daí a importância da planta ser destinada à preparação de pequena quantidade de substância entorpecente. O problema é que não temos definição exata do que seja “pequena quantidade”, resultando na criminalização de usuários no art. 33… Por outro lado, O STJ já entende que o cultivo de maconha para uso próprio, quando comprovada a necessidade medicinal, não é crime em razão do direito fundamental à saúde, sendo o Habeas Corpus o melhor caminho para aquelas pessoas que não possuem condições financeiras de arcar com os elevados custos para a importação da medicação. Então, apesar de compreender que a desobediência civil seja um movimento de insurgência contra o proibicionismo, afirmar que “não precisa de HC para cultivar para fins medicinais” não é correto, considerando os reais riscos, como aconteceu no caso contado por você.

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