Qual a quantidade de droga para ser considerado usuário?

No post de hoje, vamos verificar qual o critério adotado pelo legislador brasileiro para definir qual a quantidade de droga para ser considerado usuário.

A Constituição Federal, em seu art. 5°, XLIII, determina que:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)

XL – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.

O legislador constituinte dispensou tratamento penal mais severo ao que chamou de “tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins”, determinando ser inafiançável e insuscetível de graça ou anistia, bem como sua equiparação aos crimes hediondos.

O Código Penal, a Lei de Execuções Penais (n. 7.210/1984), a Lei dos Crimes Hediondos (n. 8.072/1990) e a Lei de Drogas (n. 11.343/2006), nesse sentido, disciplinam uma série de restrições ao crime de tráfico de drogas, por exemplo: maior tempo de cumprimento de pena para progredir de regime e obter livramento condicional; proibição de indulto; etc.

Ocorre que os verbos núcleos do tipo adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, são ações que podem configurar tanto o crime de porte de drogas para uso próprio (art. 28, caput) como o de tráfico de drogas (art. 33, caput).

As penas cominadas para o artigo 33 e 28, porém, são diferentes: medidas alternativas (advertência sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços à comunidade e/ou medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo) para o usuário; e reclusão, de 5 a 15 anos e pagamento de quinhentos a mil e quinhentos dias-multa para o traficante.

Para o usuário, em suma, adotam-se medidas preventivas quanto ao uso daquelas substâncias, enquanto que sobre o traficante recai a repressão do sistema de justiça criminal, com rigor punitivo pela produção e/ou comercialização de drogas arbitrariamente proibidas no território nacional.

Quantidade (in)determinada

Ao contrário de países como Portugal, que estabelece quantidades exatas para que o porte de drogas seja considerado para consumo pessoal (no caso da maconha, por exemplo, é levado em consideração o consumo da substância pelo período de 10 dias, ou seja, 25 gramas), no Brasil não há previsão legal de uma quantidade determinada de drogas para distinguir o usuário do traficante [1].

O legislador brasileiro, em vez disso, adotou o sistema do reconhecimento judicial ou policial, cabendo ao juiz ou à autoridade policial analisar cada caso concreto e decidir se a droga apreendida era para destinação pessoal ou para tráfico (Gomes, 2013, p. 147).

A autoridade judicial ou policial deverá, então, se debruçar sobre os critérios estabelecidos no art. 28, § 2º, da Lei de Drogas, para decidir se a substância apreendida se destinava ao consumo pessoal ou tráfico de drogas, quais sejam:

  • Natureza e quantidade da substância apreendida;
  • Local e condições em que se desenvolveu a ação;
  • Circunstâncias sociais e pessoais;
  • Conduta e antecedentes do agente.

Em outras palavras, incumbe ao juiz analisar as circunstâncias fáticas do caso concreto e decidir se se trata de porte de drogas para consumo pessoal ou tráfico (Lima, 2020, p. 1030).

RE n. 635.659/SP

Como já vimos antes, está pendente de conclusão no Supremo Tribunal Federal, por outro lado, o julgamento, sob a sistemática da repercussão geral (Tema 506), do RE n. 635.659/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, em que se discute, à luz do art. 5º, X, da Constituição Federal, a compatibilidade, ou não, do art. 28 com os princípios constitucionais da intimidade e da vida privada.

No que se refere ao quanto de droga é considerado usuário, o Min. Roberto Barroso, em seu voto, propõe critério quantitativo em 25 gramas de maconha, tal como acontece em Portugal.

Não há previsão, porém, de data para o encerramento do julgamento do RE n. 635.659/SP, que aguarda ser incluído em pauta pela Presidente do STF, Min. Rosa Weber, após pedido de vista do falecido Min. Teori Zavascki (cadeira, atualmente, ocupada pelo Min. Alexandre de Morais)…

Mas suponhamos que se defina no Brasil quantidade máxima de drogas para configuração da posse para consumo pessoal, seja através de alteração legislativa ou tese fixada pela Suprema Corte quando da conclusão do julgamento do RE n. 635.659/SP.

⁣Nesse cenário, o sujeito surpreendido portando drogas até aquele limite objetivo seria considerado usuário e responderia pelo art. 28 (posse para consumo pessoal).⁣

O problema surgirá, no entanto, quando a prisão ocorrer em razão do porte de substâncias ilícitas em quantidades maiores que as indicativas de consumo pessoal… e agora; responderia o agente por tráfico de drogas (art. 33)?

Pensar assim aumentaria o espectro de punição por tráfico de entorpecentes, com impacto ainda maior no estado de coisas inconstitucional que é o sistema penitenciário brasileiro, ao contrário do que se imaginava ao estabelecer critério objetivo para a distinção das condutas do usuário e do traficante.

Acreditamos, portanto, que a finalidade atualmente exigida pelo art. 28 (“para consumo pessoal”) é que definirá o enquadramento típico do comportamento, independentemente da quantidade (Carvalho, 2013. p. 333).⁣

⁣O critério objetivo serviria, nesse caso, como limite às agências de criminalização secundária ao realizarem a subsunção típica da conduta, de modo que até aquela quantidade máxima inadmissível a imputação do crime de tráfico de drogas (o que, é bem verdade, poderia criar uma espécie de tráfico “formiguinha”, com comerciantes portando quantidades até o limite permitido para a identificação como usuário a fim de evitar a criminalização sob o rótulo de traficante…).

⁣Ultrapassada, porém, essa definição legislativa ou jurisprudencial objetiva, imprescindível a análise do elemento subjetivo do tipo “para consumo pessoal”, de modo a se concluir ou não pela prática do crime de porte de drogas para uso próprio.

[1] AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de; HYPOLITO, Laura Girardi. Impacto da Lei 11.343/06 no Encarceramento e Possíveis Alternativas. In: CARVALHO, Érika Mendes de; ÁVILA, Gustavo Noronha de. 10 Anos da Lei de Drogas: aspectos criminológicos, dogmáticos e político-criminais. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016.

Referências Bibliográficas

CARVALHO, Salo de. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático da Lei 11.343/06. 6ª. Edição. São Paulo: Saraiva, 2013.

GOMES, Luiz Flávio. Lei de Drogas Comentada. 5ª. Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. 8ª. Edição. Bahia: Juspodivm, 2020.

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