Usuário de drogas pode ser preso em flagrante?

No post de hoje, vamos analisar se o usuário de drogas pode ser preso em flagrante, já que o Código de Processo Penal prevê que qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.

Antes de verificarmos se o usuário de drogas pode ser preso em flagrante, é importante relembrarmos que o tipo legal de posse de drogas para consumo pessoal do art. 28, caput, da Lei n. 11.343/2006, não prevê aplicação de pena privativa de liberdade, mas sim medidas alternativas, o que gerou grande debate acerca da abolição de seu caráter criminoso.

Isso porque a Lei de Introdução ao Código Penal brasileiro (Decreto-Lei n. 3.914/1941), em seu art. 1º, considera crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.

Por outro lado, o art. 28, caput, em seu preceito secundário comina as seguintes penas:

I – Advertência sobre os efeitos das drogas;

II – Prestação de serviços à comunidade;

III – Medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Como se pode perceber, a partir da definição legal de crime e contravenção penal no Brasil, não é possível afirmar, formalmente, que as condutas enumeradas no já referido art. 28, caput, configuram espécie de infração penal, pois ausente qualquer possibilidade de encarceramento do usuário de drogas, seja a título de reclusão, detenção ou mesmo prisão simples.

Daí a conclusão do saudoso professor Luiz Flávio Gomes no sentido de que se as penas cominadas para a posse de droga para consumo pessoal são exclusivamente alternativas, não há falar em “crime” ou em “contravenção penal”. O art. 28, consequentemente, contempla uma infração sui generis (uma terceira categoria, que não se confunde nem com o crime nem com a contravenção penal) (Gomes, 2013, p. 133).

O Supremo Tribunal Federal, em 13 de fevereiro de 2007, no julgamento do RE n. 430.105 QO, rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, decidiu que com o advento da nova Lei de Drogas (n. 11.343/2006), não houve descriminalização do porte de drogas para uso próprio, mas mera despenalização. Eis a ementa do julgado:

I. Posse de droga para consumo pessoal: (art. 28 da L. 11.343/06 – nova lei de drogas): natureza jurídica de crime. 1. O art. 1º da LICP – que se limita a estabelecer um critério que permite distinguir quando se está diante de um crime ou de uma contravenção – não obsta a que lei ordinária superveniente adote outros critérios gerais de distinção, ou estabeleça para determinado crime – como o fez o art. 28 da L. 11.343/06 – pena diversa da privação ou restrição da liberdade, a qual constitui somente uma das opções constitucionais passíveis de adoção pela lei incriminadora (CF/88, art. 5º, XLVI e XLVII). 2. Não se pode, na interpretação da L. 11.343/06, partir de um pressuposto desapreço do legislador pelo “rigor técnico”, que o teria levado inadvertidamente a incluir as infrações relativas ao usuário de drogas em um capítulo denominado “Dos Crimes e das Penas”, só a ele referentes. (L. 11.343/06, Título III, Capítulo III, arts. 27/30). 3. Ao uso da expressão “reincidência”, também não se pode emprestar um sentido “popular”, especialmente porque, em linha de princípio, somente disposição expressa em contrário na L. 11.343/06 afastaria a regra geral do C. Penal (C.Penal, art. 12). 4. Soma-se a tudo a previsão, como regra geral, ao processo de infrações atribuídas ao usuário de drogas, do rito estabelecido para os crimes de menor potencial ofensivo, possibilitando até mesmo a proposta de aplicação imediata da pena de que trata o art. 76 da L. 9.099/95 (art. 48, §§ 1º e 5º), bem como a disciplina da prescrição segundo as regras do art. 107 e seguintes do C. Penal (L. 11.343, art. 30). 6. Ocorrência, pois, de “despenalização”, entendida como exclusão, para o tipo, das penas privativas de liberdade. 7. Questão de ordem resolvida no sentido de que a L. 11.343/06 não implicou abolitio criminis (C.Penal, art. 107). II. Prescrição: consumação, à vista do art. 30 da L. 11.343/06, pelo decurso de mais de 2 anos dos fatos, sem qualquer causa interruptiva. III. Recurso extraordinário julgado prejudicado.

Considerando, então, a ocorrência de despenalização, entendida como exclusão, para o tipo, das penas privativas de liberdade, a conclusão, por ora, é no sentido de que a posse de drogas para consumo pessoal é crime no Brasil, submetendo quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, à advertência sobre os seus efeitos; à prestação de serviços à comunidade e/ou à medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Está pendente de conclusão na Suprema Corte, no entanto, o julgamento, sob a sistemática da repercussão geral (Tema 506), do RE n. 635.659/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, em que se discute, à luz do art. 5º, X, da Constituição Federal, a compatibilidade, ou não, do art. 28 com os princípios constitucionais da intimidade e da vida privada.

Não há previsão, porém, de data para encerramento do julgamento do RE n. 635.659/SP, que aguarda ser incluído em pauta pela Presidente do STF, Min. Rosa Weber, após pedido de vista do falecido Min. Teori Zavascki (cadeira, atualmente, ocupada pelo Min. Alexandre de Morais)…

Polícia pode prender usuário de drogas

Considerando, então, a ocorrência de despenalização, entendida como exclusão, para o tipo, das penas privativas de liberdade, o usuário de drogas pode ser preso em flagrante quando surpreendido portando para uso próprio drogas consideradas ilícitas no Brasil através da Portaria SVS/MS n. 344/1998.

Isso porque o art. 301 do CPP prevê que “qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.

A Lei n. 11.343/2006, no entanto, em seu art. 48, § 2º, dispõe que “tratando-se da conduta prevista no art. 28 desta Lei, não se imporá prisão em flagrante […]”.

A correta compreensão do dispositivo exige recordar que a prisão em flagrante conta com quatro momentos distintos: a) captura do agente; b) sua condução coercitiva até à presença da autoridade policial; c) lavratura do auto de prisão em flagrante e d) recolhimento ao cárcere (Gomes, 2013, p. 225).

Em outras palavras, é possível, uma vez verificada a posse de drogas para consumo pessoal, a captura do usuário por qualquer pessoa ou pela polícia e condução até à presença da autoridade policial.

Passo a passo na delegacia

A substância apreendida em poder do agente será examinada por perito oficial, de modo a verificar se se trata de uma daquelas drogas proibidas no Brasil pela ANVISA (Portaria n. 344/1998), elaborando, ao final, laudo preliminar onde indicará a sua natureza e quantidade.

Sendo a droga proscrita no território nacional, tendo em vista que não há na lei qual a quantidade de droga considerada para consumo, a autoridade policial analisará se esta se destinava ao uso próprio ou tráfico, atendendo, para tanto, à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às circunstâncias em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente (art. 28, § 2°, da Lei de Drogas).

Convencida acerca da existência do crime, isto é, de que se trata de substância ilícita no Brasil e que sua posse era destinada ao consumo pessoal, a autoridade policial determinará a lavratura do termo circunstanciado de ocorrência.

Por expressa vedação legal (art. 48, § 2°, da Lei n. 11.343/2006), porém, não será imposta ao usuário de drogas prisão em flagrante (isto é, lavratura do auto de prisão em flagrante e recolhimento ao cárcere); em vez disso, deverá ser ele encaminhado ao Juizado Especial Criminal competente ou assumir o compromisso de lá comparecer, sendo, em seguida, liberado.

Referências Bibliográficas

GOMES, Luiz Flávio. Lei de Drogas Comentada. 5ª. Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

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