Tráfico de drogas é inafiançável?

No post de hoje, vamos analisar se o crime de tráfico de drogas é inafiançável e se o preso em flagrante por tráfico pode receber liberdade provisória e responder em liberdade.

Fiança é uma contracautela exigida para a concessão da liberdade provisória (Lopes Jr., 2020, p. 787).

A Constituição Federal, no entanto, determina que não cabe fiança em tráfico de drogas, nos seguintes termos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)

XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.

O Código de Processo Penal, por sua vez, também estabelece que:

Art. 323. Não será concedida fiança:

(…)

II – nos crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e nos definidos como crimes hediondos.

A Lei de Drogas vai além e em seu art. 44, caput, prevê que não tem fiança para tráfico de drogas, mas também proíbe a concessão de liberdade provisória aos acusados por esse crime, confiram:

Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.

Então, a pessoa presa em flagrante por tráfico de drogas, em nenhuma hipótese, poderá receber liberdade provisória e responder ao processo em liberdade?

Presunção de inocência

Definitivamente, não é esse o entendimento do Plenário do Supremo Tribunal Federal, que em 10 de maio de 2012, ao julgar o HC n. 104.339/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade da expressão “e liberdade provisória” constante do art. 44, caput, da Lei n. 11.343/2006. Vale reproduzir a ementa do julgado citado:

Habeas corpus. 2. Paciente preso em flagrante por infração ao art. 33, caput, c/c 40, III, da Lei 11.343/2006. 3. Liberdade provisória. Vedação expressa (Lei n. 11.343/2006, art. 44). 4. Constrição cautelar mantida somente com base na proibição legal. 5. Necessidade de análise dos requisitos do art. 312 do CPP. Fundamentação inidônea. 6. Ordem concedida, parcialmente, nos termos da liminar anteriormente deferida.

Em 18 de maio de 2017, a Suprema Corte, em julgamento de recurso extraordinário sob a sistemática da repercussão geral (Tema 959), reafirmou sua jurisprudência e fixou a seguinte tese: “é inconstitucional a expressão ‘e liberdade provisória’, constante do caput do artigo 44 da Lei 11.343/2006”. Vejamos a ementa do julgado:

Recurso extraordinário. 2. Constitucional. Processo Penal. Tráfico de drogas. Vedação legal de liberdade provisória. Interpretação dos incisos XLIII e LXVI do art. 5º da CF. 3. Reafirmação de jurisprudência. 4. Proposta de fixação da seguinte tese: É inconstitucional a expressão e liberdade provisória, constante do caput do artigo 44 da Lei 11.343/2006. 5. Negado provimento ao recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público Federal (RE n. 1.038.925/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, Pleno).

Isso porque, se por um lado, a Constituição Federal determina que o crime de tráfico de drogas é inafiançável, por outro, também garante que “ninguém será privado da liberdade sem o devido processo legal” (art. 5°, LIV), bem como que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (art. 5°, LVII).

Significa dizer que o (des)conhecido princípio da presunção de inocência enquanto dever de tratamento assegura ao indivíduo submetido ao processo criminal ser considerado presumidamente inocente até a formação definitiva de sua culpa.

Assim, a regra, em um Estado Democrático de Direito, é a liberdade durante o desenrolar do caso penal, sendo a prisão preventiva, enquanto intervenção estatal no direito de ir e vir, a exceção, somente admitida quando motivos concretos e contemporâneos demonstrarem sua necessidade.

Nos casos de flagrante delito por tráfico de drogas, portanto, apesar de a Constituição Federal determinar que não cabe fiança em tráfico de drogas, os princípios do devido processo penal e da presunção de inocência impõem que eventual prisão preventiva tenha sua necessidade e adequação devidamente demonstradas à luz do art. 312 do CPP.

Prisão preventiva

O art. 312 do CPP, a propósito, sofreu recentes alterações pela Lei n. 13.964/2019 (que ficou popularmente conhecida como “pacote anticrime”) e passou a exigir a demonstração do “perigo gerado pelo estado de liberdade do acusado” para a decretação da prisão preventiva.

Trata-se de inovação legislativa muito bem-vinda, tendo em vista a cultura judiciária de justificar a necessidade de decretação da prisão preventiva exclusivamente na gravidade in abstrato do crime de tráfico de drogas, afrontando o caráter instrumental da medida cautelar para, à margem do devido processo penal, impingir verdadeira pena processual – expressamente vedada pela nova redação do §2°, do art. 313, do CPP, ao dispor que “não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena”.

É fundamento da prisão preventiva, portanto, a demonstração do periculum libertatis, consubstanciado no perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado, isto é, a indicação, a partir de fatos concretos e contemporâneos, de que o acusado, em liberdade, criará embaraço ao regular conhecimento e julgamento do caso penal; ou, ainda, que no momento da sentença, se furtará ao cumprimento de eventual pena privativa de liberdade aplicada.

Não basta à imposição da prisão preventiva, todavia, a demonstração de sua necessidade; é preciso que a decisão que decretá-la esteja suficientemente fundamentada no sentido de sua adequação, em respeito ao seu caráter de ultima ratio, isto é, que nenhuma medida cautelar alternativa (comparecimento periódico em juízo; proibição de acesso ou frequência a determinados lugares; proibição de manter contato com pessoa determinada; etc.) é suficiente para garantir o resultado pretendido pela segregação cautelar (conveniência da instrução criminal; assegurar a aplicação da lei penal; etc.).

Apesar de expressamente previstas no CPP desde a reforma parcial promovida pela Lei n. 12.403/2011, a Lei n. 13.964/2019 promoveu nova alteração no §6°, do art. 282, do CPP, determinando que o eventual não cabimento da substituição da prisão preventiva por outra medida cautelar seja justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada.

A inovação legislativa também é muito bem-vinda, uma vez que objetiva coibir decisões que, invocando motivos que se prestariam a justificar qualquer outra, decretam a prisão preventiva, em que pese medidas alternativas (comparecimento periódico em juízo; proibição de acesso ou frequência a determinados lugares; proibição de manter contato com pessoa determinada; etc.) igualmente se mostrarem suficientes para assegurar a finalidade pretendida pela constrição cautelar, a revelar sua inadequação no caso concreto.

Por fim, ainda que demonstradas a necessidade e adequação para sua decretação, nenhuma medida cautelar pessoal, especialmente a prisão preventiva, pode submeter o acusado a restrição mais severa que aquela que poderá advir a partir de eventual sentença penal condenatória, em homenagem ao princípio da homogeneidade (proporcionalidade em sentido estrito).

Em outras palavras, a decretação da prisão preventiva será desproporcional em sentido estrito, ferindo o princípio da homogeneidade, quando adotada em desfavor de acusado que, se condenado, provavelmente terá direito a substituição da pena privativa de liberdade por penas alternativas (art. 44 do Código Penal).

É o que acontece no caso de acusado de tráfico que é primário , portador de bons antecedentes, que não se dedica à atividades criminosas e não integra organização criminosa (o denominado tráfico “privilegiado”, previsto no art. 33, §4°, da Lei de Drogas), pois, se for condenado, provavelmente terá sua pena privativa de liberdade substituída por penas alternativas (limitação de fim de semana; prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; etc.).

A decretação da prisão preventiva nessas circunstâncias se revelará ilegal, em razão da ausência de proporcionalidade entre meios e fins, conforme a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça resumida na seguinte tese: “a prisão preventiva não é legítima nos casos em que a sanção abstratamente prevista ou imposta na sentença condenatória recorrível não resulte em constrição pessoal, por força do princípio da homogeneidade [1].

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[1] Jurisprudência em Teses. Edição n. 32: Prisão Preventiva.

Referências Bibliográficas

LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 17ª. Edição. São Paulo: Saraiva, 2020.

2 comentários em “Tráfico de drogas é inafiançável?”

  1. Sabrina macedo

    Minha amiga foi presa em flagrante trás portanto entorpecentes para uma outra cidade em ônibus de Viagem ela foi pega com 580 Gr de pasta base gostaria de saber se após o julgamento ela tem o risco de ser recolhida no regime fechado ou poderá cumprir em liberdade

    1. Thiago Knopp

      Boa tarde, Sabrina! Obrigado por comentar! Para melhor responder sua pergunta será preciso analisar algumas questões importantes como, por exemplo, se ela é ré primária e de bons antecedentes. O que acha, então, de agendar uma consulta para que eu possa atendê-la e esclarecer suas dúvidas? Para isso, clique no ícone do WhatsApp disponível nas páginas do site ou através do telefone 21 98521-2754. Aguardo seu contato!

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