O que acontece quando alguém é preso por tráfico?

No Brasil, como não há na lei quanto de droga é considerado usuário, bem como não existe previsão sobre qual a quantidade de droga para configurar tráfico, muitos usuários são processados como se fossem traficantes. No post de hoje, então, vamos explicar o que acontece quando alguém é preso por tráfico, desde o momento da prisão em flagrante até a realização da audiência de custódia – onde um juiz decidirá sobre a liberdade do preso – e o que fazer nessa situação.

Os verbos núcleos do tipo adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, são ações que podem configurar tanto o crime de posse de drogas para consumo pessoal (art. 28, caput) como o de tráfico de drogas (art. 33, caput).

Ao contrário de países como Portugal, que estabelece quantidades exatas para que o porte de drogas seja considerado para uso próprio (no caso da maconha, por exemplo, é levado em consideração o consumo da substância pelo período de 10 dias, ou seja, 25 gramas), no Brasil não há previsão legal de uma quantidade determinada de drogas para distinguir o usuário do traficante [1].

Em razão da ausência de critério objetivo para a identificação das condutas, podendo resultar na criminalização do usuário sob o rótulo de traficante, há quem tenha decidido cultivar cannabis para consumo próprio em casa, ainda que sem autorização judicial para tanto.

Ocorre que semear, cultivar e colher, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas são comportamentos que podem caracterizar crime equiparado ao tráfico (art. 33, § 1º, II).

A Lei de Drogas brasileira, igualmente, não define a quantidade de plantas para que o cultivo seja considerado para consumo pessoal.

No Uruguai, como vimos no capítulo IV, não é crime cultivar maconha para consumo próprio, desde que se respeite a quantidade de plantas (no máximo, 6) e a produção anual (no máximo, 480 gramas) [2].

O legislador em nosso país, em vez disso, adotou o sistema do reconhecimento judicial ou policial, cabendo ao juiz ou à autoridade policial analisar cada caso concreto e decidir se a droga apreendida era para destinação pessoal ou para tráfico (Gomes, 2013, p. 147).

A autoridade judicial ou policial deverá, então, se debruçar sobre os critérios estabelecidos no art. 28, § 2º, da Lei n. 11.343/2006, para decidir se a substância apreendida se destinava ao consumo pessoal ou tráfico de drogas, quais sejam:

  • Natureza e quantidade da substância apreendida;
  • Local e condições em que se desenvolveu a ação;
  • Circunstâncias sociais e pessoais;
  • Conduta e antecedentes do agente.

Em outras palavras, incumbe ao juiz analisar as circunstâncias fáticas do caso concreto e decidir se se trata de porte de drogas para consumo pessoal ou tráfico (Lima, 2020, p. 1030).

Não por outra razão, a política criminal de drogas brasileira é a principal responsável, ao lado dos crimes patrimoniais – como furto e roubo – para que o país ocupe a terceira posição mundial no número de pessoas encarceradas (820,7 mil, segundo dados apresentados na edição de 2022 do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública) [3].

Neste capítulo, então, vamos verificar o que acontece quando alguém é preso por tráfico, desde o momento da prisão em flagrante até a realização da audiência de custódia – onde um juiz decidirá sobre a liberdade do preso – e o que fazer nessa situação.

Em todos os casos em que se verifica a existência de flagrante delito por crime previsto na Lei de Drogas – desde aquele em que o usuário traz consigo no bolso, na mochila, etc., passando por quem transporta no porta-luvas do carro, até o que cultiva maconha para consumo próprio em casa sem autorização judicial – será o preso conduzido à presença da autoridade policial para a adoção das medidas legais adequadas.

Passo a passo na delegacia

Convencida sobre a existência de crime, a autoridade policial determinará a lavratura do auto de prisão em flagrante, ouvindo os responsáveis pela prisão e, ao final, interrogando o preso que, sendo alertado sobre o seu direito constitucional ao silêncio, poderá optar por permanecer calado.

Para tanto, a substância apreendida em poder do agente será examinada por perito oficial, de modo a verificar se se trata de uma daquelas drogas proibidas no Brasil pela Portaria SVS/MS n. 344/1998, elaborando, ao final, laudo preliminar onde indicará a sua natureza e quantidade.

Sendo a droga proscrita em território nacional, a autoridade policial analisará se esta se destinava ao consumo pessoal ou tráfico, atendendo à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às circunstâncias em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente (art. 28, § 2°, da Lei de Drogas).

Quando explicamos no capítulo VI a (i)legalidade da prisão em flagrante de quem usa drogas, uma vez surpreendido portando substâncias ilícitas para uso próprio, dissemos que apesar de a lei proibir que se imponha prisão em flagrante ao usuário, é possível sua captura por qualquer pessoa ou pela polícia e condução até à presença da autoridade policial.

É importante recordar que a prisão em flagrante conta com quatro momentos distintos: a) captura do agente; b) sua condução coercitiva até à presença da autoridade policial; c) lavratura do auto de prisão em flagrante e d) recolhimento ao cárcere (Gomes, 2013, p. 225).

Por expressa vedação legal (art. 48, § 2°, da Lei n. 11.343/2006), no entanto, não será imposta ao usuário prisão em flagrante (isto é, lavratura do auto de prisão em flagrante e recolhimento ao cárcere); em vez disso, deverá ser ele encaminhado ao Juizado Especial Criminal competente ou assumir o compromisso de lá comparecer, sendo, em seguida, liberado.

Fiança por tráfico de drogas

Nos casos de preso por tráfico, ao contrário, em razão de não ter fiança por tráfico de drogas, conforme determinado pela Constituição Federal (art. 5°, XLIII), o indiciado, após a lavratura do auto de prisão em flagrante, será recolhido ao cárcere e em até 24 horas apresentado ao juiz em uma audiência de custódia, na presença do Ministério Público e do defensor, para que se decida sobre sua liberdade.

Considerando a diferença radical da resposta penal quando se tratar de preso por tráfico em comparação ao usuário, importante saber o que fazer a partir do momento em que se é abordado pela polícia, seja em um “enquadro” na rua, em uma blitz ou naquelas situações em que, a partir de uma denúncia anônima, a casa é invadida, sem autorização judicial, e o cultivo de cannabis encontrado, apreendido e tudo levado ao conhecimento da autoridade policial.

Isso porque, lamentavelmente, são comuns abusos praticados pela polícia nas buscas pessoais, em automóveis e domiciliares, como, por exemplo, o acesso indevido ao conteúdo do celular; a entrada forçada na casa sem mandado, etc., práticas arbitrárias que podem tornar ilegal a prisão em flagrante, com a imediata colocação do preso em liberdade.

O ideal a se fazer nesse momento, portanto, é estar acompanhado (a) de advogado (a) da sua confiança para que eventuais irregularidades praticadas pela polícia durante a prisão em flagrante sejam relatadas já durante a lavratura do auto de prisão em flagrante, assim como apresentadas provas que possam ajudar a demonstrar que a droga e/ou o cultivo de maconha apreendido era para consumo pessoal, a fim de evitar uma prisão por tráfico.

Mas e se mesmo assim a autoridade policial não se convencer de que se trata de porte de drogas para uso próprio; o que acontece quando alguém é preso por tráfico?

Nesse caso, por não caber fiança em tráfico de drogas, o indiciado será recolhido ao cárcere e em até 24 horas apresentado ao juiz em uma audiência de custódia, na presença do Ministério Público e do defensor, para que se decida sobre sua liberdade.

Na audiência de custódia, em resumo, o juiz irá verificar:

I – Se a prisão em flagrante ocorreu nas hipóteses e conforme determina a lei;

II – Se o preso sofreu maus-tratos ou mesmo tortura pelos policiais;

III – Por fim, a necessidade (ou não) de converter a prisão em flagrante em preventiva do preso por tráfico, colocando-o (ou não) em liberdade.

O ideal a se fazer nesse momento, insistimos, é estar acompanhado (a) de advogado (a) da sua confiança para que sejam relatadas eventuais irregularidades praticadas pela polícia durante a prisão em flagrante, assim como seja feito o pedido de liberdade provisória ao juiz durante a audiência de custódia, apresentando provas que possam ajudar a demonstrar que a droga e/ou o cultivo de maconha apreendido era para consumo pessoal, afastando a prisão preventiva por tráfico.

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[1] AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de; HYPOLITO, Laura Girardi. Impacto da Lei 11.343/06 no Encarceramento e Possíveis Alternativas. In: CARVALHO, Érika Mendes de; ÁVILA, Gustavo Noronha de. 10 Anos da Lei de Drogas: aspectos criminológicos, dogmáticos e político-criminais. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016.

[2] Ibidem.

[3] Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-jul-10/populacao-carceraria-volta-aumentar-deficit-vagas-cai.

Referências Bibliográficas

GOMES, Luiz Flávio. Lei de Drogas Comentada. 5ª. Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. 8ª. Edição. Bahia: Juspodivm, 2020.

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